16 março 2010

Filme Kandahar, de Mohsen Makhmalbaf

Hoje, dia 16 de Março, às 21h30, no Cine-Teatro Avenida
UMA VIAGEM À TERRA DOS TURBANTES NEGROS
Embarcar numa viagem à terra dos turbantes negros é como dar um salto no escuro. É uma viagem com destino no irracional, no incompreensível. É como se ao atravessar a fronteira o viajante tivesse que abandonar toda a sua capacidade de compreender. O Afeganistão mostrado por Mohsen Makmalbaf não é um faz-de-conta: é uma descida à escuridão, uma expedição a um mundo diferente, de outro tempo, onde a parábola por vezes mágica enfatiza a triste realidade.

Nafas, uma mulher afegã que vive no Canadá, regressa ao seu país para tentar salvar a sua irmã que ameaça cometer suicídio antes do próximo eclipse solar. Pelo caminho, nas aldeias, nos diferentes lugares, nas estradas poeirentas, Nafas relata a sua viagem para um gravador. Seguimos a nossa narradora através do reino da loucura, no caminho para Kandahar, a cidade sagrada e terra natal dos fanáticos de Deus. Tudo no filme é abençoado: o canto, a música, as imagens, a fotografia, a pintura, cada imagem do Homem.

Passamos por uma escola onde as crianças aprendem o Corão com professores de um dogma radical e por um exército de amputados... de anos de guerra, anos de loucura. Nos montes de areia e nas dunas também encontramos o fantasma de Pasolini, com imagens das "Mil e Uma Noites". Mas trata-se das "Mil e Uma Noites" com uma mensagem de morte! Um Oriente que até agora era desconhecido no que respeita ao seu paroxismo e à sua espiral de morte, à urgência do suicídio. Quando os Talibans chegaram ao poder em Cabul, em Setembro de 1996, prometeram um reino de pureza. Durante um tempo, os habitantes de Cabul aplaudiram, (…) mas os afegãos rapidamente se desiludiram. "Taleb" significa estudante de teologia. Mas estes estudantes, muitas vezes analfabetos, acabaram por se tonar nos piores inimigos da cultura, principalmente da cultura afegã, que se baseia na tolerância e hospitalidade. O Afeganistão foi condenado a todo o tipo de proibições. O que se seguiu foi um reinado de silêncio.

Pureza? Pode realmente ser facilmente encontrada - no tráfico de ópio, a origem da heroína, os campos de corolas vermelhas e brancas plantadas pelos talibans até há bem pouco tempo, antes da seca, que fornece os maiores traficantes de droga do mundo. Três mil e oitocentos agentes religiosos da milícia patrulham as ruas das cidades, com obediência cega ao Ministério para Promoção da Virtude e Repressão do Vício. Como tiranos, espancam os que se esquecem das horas da oração, os que reagem são mortos - quase à queima roupa - as mulheres que ousem mostrar um pedaço de carne ou se se vir através da renda do véu um toque de maquilhagem. Depois, os cabecilhas da milícia decidiram apagar o passado e destruir as estátuas. Destruíram os maiores Budas do mundo, com o intuito de erradicar o passado e inventar um novo Homem, subjugado ao dogma, neste país com vinte milhões de almas, onde mais de um milhão de pessoas encontraram a morte.

Os Talibans - destruidores de ídolos - querem invadir as memórias. Por isso tudo o que encontramos quando nos esgueiramos através cidades dos talibans, nesta terra de palavras, contos, vocalização, é o silêncio, nada mais que o silêncio, transformado em medo. O filme belo e puro de Mohsen Makmalbaf, tão afinado como as cordas de um violino proibido, é um apelo vibrante que grita por ajuda. Um apelo pelas mulheres, condenadas à janela da sua burca, o vestido afegão, prisão de algodão, cidadela da solidão. Um apelo pelos amputados, tropas de deficientes, feridos pelas minas, estas armas cobardes que continuam a matar muito tempo depois de os canhões terem morrido, que coxeiam em direcção aos pára-quedas da ajuda internacional. Um apelo ao totalitarismo teocrático, o estalinismo religioso que actua impiedosamente nesta terra esquecida. Nafas exclama: "Pus a minha alma nesta viagem". E isto ecoa através da rede triangular que guia o seu olhar e que é o encarceramento de um país inteiro. Toda a esperança está aniquilada. Como se as almas estivessem condenadas a vaguear para sempre, nas areias e montanhas afegãs, fortalezas do vazio. Os soldados-monges aboliram os sonhos. Os turbantes negros mataram o amor.
Olivier Weber
Jornalista, escritor, autor de "On se ne tue pas pour une femme" (Plon); (" You don't kill yourself for a woman")